sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O percurso nosso de todos os dias

A bicicleta que ela abandonou porque mora longe demais da universidade está com os pneus murchos e pegando poeira. O carro está igualmente cheio de poeira, mas é porque ela não tem muito tempo e cuidado para com ele. Ele serve de transporte, como a outros serve de roupa para suas vaidades. Ela não tem a vaidade de lavar o carro toda semana. Nem de procurar um carro mais novo. Já basta a gasolina que alimenta as empresas petrolíferas que sufocam os seus trabalhadores com os salários envergonhados diante dos números incompreensíveis dos lucros dos investidores nem um pouco interessados em energia limpa. A fumaça mais ou menos invisível desse custo sai de milhares de carros ao seu redor. 
O caminho de carro até a universidade supõe todo um universo – uma perspectiva de indiferença sobre aqueles que não têm carro porque são pobres e enfrentam a precariedade do transporte público abarrotado, atrasado e sempre monopolizado, sobre aqueles que engolem os riscos do trabalho nas refinarias, sobre o enriquecimento de alguns donos de barris em detrimento das pessoas ao redor: exilados ambientais, econômicos e políticos. Uma perspectiva de indiferença sobre as toneladas de gás carbônico respirados todos os dias pela humanidade. Ela não escolhe o caminho feito a pé, nem de bicicleta, nem de ônibus, nem de carona. E isso torna-a responsável pelo desastre ambiental iminente, pelo cofre cheio de alguns, pelo descaso aos ciclistas da parte de quase todo mundo que não pedala, pela continuidade de um sistema insustentável, pela continuidade da publicidade automotiva preconceituosa e segregacionista. Torna-a responsável pelo mundo como ele é.

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