Num
primeiro momento, a escola é este espaço intangível entre o gramado aos fundos
de casa – o abacateiro milagroso, o rio de um imenso pesadelo – e os degraus
escuros que o prédio branco subia com o morro. Num primeiro momento, é ir
sozinha à escola, com as calças sujas da geada recém feita, com os pijamas
contra o frio que imobilizava as pontas dos nossos dedos, na briga por saber de
quem era o maior espanto de inverno. Num primeiro momento, é uma aventura que
não tem nome, que se leva pacificamente, atravessando as pontes, os muros, os
jardins dos outros, os degraus, e os horrores. Apenas mais tarde serão
batizados aqueles atos indelevelmente significativos. De parte a outra, ninguém
agora se dá conta. Num primeiro momento, é uma professora. Uma só. Depois, os
exemplos paradigmáticos de um tipo qualquer de anti-pedagogia, de anti-emancipação,
de anti-exemplificação da primeira pessoa do singular. Depois, é não perder
tempo competindo pelo status da maior ingenuidade alcançável; de todo modo, o
riso é fácil sobre todo os aspectos de sua pobreza. Neste caso, para tudo, para
toda e qualquer circunstância, há os livros e as bibliotecas e as tarefas e as
histórias de espelhamento. Depois, também, é o irmão que não se pode jamais –
sob pena de um arrependimento que não sabe o seu nome – perder pelo caminho.
Quando então o espaço da escola é também à casa; até mesmo ali se reproduz uma
biblioteca; e tudo gira em torno de uma série de frases impressas que cumpre
aprender para sempre. Como em todos os momentos, também aí se fixa a marca
indelével das palavras – e daquelas imagens pontilhadas à guisa de gravuras, e
daquelas aulas ministradas a uma assistência de vizinhos, de irmãos, de seres
inanimados, de criaturas que têm uma vida de verdade para além de suas feições iguais, que varam o dia até as histórias
inventadas ao adormecer. Uma continuidade de figuras que povoam seus livros de
um a outro, escritos inúmeras vezes à exaustão de se sua imaginação, a ponto de
se fazerem partes inalienáveis de seu corpo. Aquele espaço intangível é então o
espaço de uma grafia. Esta, a sua experiência escolar por excelência.
Num segundo momento, é uma
afronta. Que os livros ainda estão para tudo, para toda e qualquer circunstância,
já não constitui um escapismo, mas uma imposição de desordem, de desobediência,
de interrupção da mesmice e da pasmaceira generalizada. Uma afronta, o
isolamento. Até a menina desigual, a idiota, é sua companhia de enfrentamento.
Num segundo momento, é uma guerra. Não há rumo a qualquer tipo de vitória, mas
a um certo tipo de sobrevivência. Bater às portas fechadas, aos teatros
esvaziados pelo descaso e pela vergonha, às instâncias há muito cansadas da
mesma briga, acomodadas agora a um canto de castigo benevolentemente aceito.
Que ela não sabe ainda; que ela apenas começa. Não dá pra saber de antemão
quanto tempo leva; mas dá para refazer, repetir, sempre, de novo, por cada uma
daquelas que se esgota pelo caminho cedo demais. Num segundo momento, a
experiência escolar por excelência é a experiência de uma força, de uma
diferença, de uma teimosia, que se reconhece, que se transforma, que se quer,
enfim, pacífica, mas ainda inquieta. A vontade de um outro tipo de conforto, de
um outro tipo de tempo, de pausa, de virtude, de letra, de vida, – os livros
ainda aí para tudo, pelo menos também para isso – constitui a sua rebeldia. Num
segundo momento, a escola é este espaço muito concreto de descontentamento do
mundo, de tangível inconformidade, incredulidade, o seu aborrecimento como um
choque à lentidão alheia, à conivência de tantos, à percepção tolhida já à
entrada da educação como tempo gasto, puído, dormente, maledicente. Neste
instante, a experiência por excelência é aquela de um sonho que só quer
sobreviver sonhando, que só faz questão da reminiscência para um respirar de
intervalo – entre uma afronta e outra, entre uma e outra palavra de
desobediência. Entre uma e outra grafia dissonante.
Janyne!!
ResponderExcluirLinda sua "A escola".
De um tema tão corriqueiro (vamos dizer assim), você consegue fazer tanta poesia.
Estou encantada com seu conto/poesia!!
Não conhecia este seu lado.
Quem diria... escondida atrás da professora de Filosofia da Educação vive uma grande poetisa!!
Parabéns Janune! Adorei!!